Abelardo Luz, município de 17 mil habitantes localizado no oeste de Santa Catarina, está entre os primeiros no Brasil em número de assentamentos criados pelo Incra. Foram 22 imóveis desapropriados ou adquiridos pelo Governo Federal para divisão em lotes e destinação a aproximadamente 1,2 mil famílias, residentes em uma área de 19 mil hectares, correspondente a 20% da extensão do município.
A transformação teve início há 35 anos, quando o pequeno município, tradicionalmente habitado por indígenas e cenário de passagem de tropeiros e militares para as missões, foi palco de uma série de mobilizações populares. O Incra que, até o momento, se ocupava da regularização fundiária, passou a executar a reforma agrária no estado por meio das primeiras desapropriações ocorridas em 1985, até a efetiva criação dos assentamentos, a partir de 1986.
Deu-se início, então, à transformação do espaço rural do município, impactando também a cidade até hoje. “Se no início houve uma certa hostilidade com aquele mundo de gente em um local tão pequeno, hoje os assentamentos movimentam a economia da cidade, que tem até feriado alusivo à reforma agrária”, destaca o servidor do Incra atuante em Abelardo Luz, Valdecir Grando.
Para ele, é inegável a democratização do acesso à terra por meio dos assentamentos, embora algumas famílias não tenham permanecido. “Com o passar dos anos, aqueles que não tinham aptidão agrícola foram sendo substituídos por outros beneficiários e hoje se observa muitos filhos de assentados nesse processo”, explica Grando.
Leite e educação
“Os assentamentos representaram uma parcela importante no desenvolvimento de Abelardo Luz e, apesar de todas as dificuldades inerentes à vida no campo, as conquistas são fruto do esforço de muitas famílias nesse que, até hoje, é o principal reduto da reforma agrária em Santa Catarina”, resume o superintendente da regional catarinense, Nilton Tadeu Garcia. Além da infraestrutura de estradas, escolas e instalações comunitárias advindas dos assentamentos, inúmeros estabelecimentos comerciais foram abertos na cidade para contemplar a demanda dos trabalhadores rurais.
“Hoje essas famílias assentadas desfrutam de boa condição financeira e social, tendo ampliado o conhecimento na área, empregado tecnologias e recursos que lhes foram oferecidos. Temos uma agricultura desenvolvida, uma bacia leiteira muito forte e com alguns agricultores organizados para comercialização dos produtos”, revela o atual prefeito, Wilamir Domingos Cavassini.
Para esse desenvolvimento ocorrer, o conhecimento tem sido essencial. Prova disso é a existência de um campus avançado do Instituto Federal Catarinense (IFC) dentro do assentamento José Maria, o maior do município.
Inovação
A experiência nos assentamentos de Abelardo Luz também demonstra a capacidade da presença de uma rede de apoio de diferentes esferas públicas em efetivar a qualidade na reforma agrária.
A recém-nascida Agroindústria AgroLuz, do assentamento Papuan II, é exemplo disso. Estabelecida em uma área federal, com suporte técnico e financiamento do governo do estado, a família Zanchet deu início à produção de panificados, geleias e salgados, contando com o apoio da prefeitura e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) para comercialização.
“Nós estamos há 21 anos no assentamento e plantávamos fumo. Mas meu filho não podia lidar com o veneno e meu esposo se intoxicou quase vindo a falecer. Foi então que decidimos montar essa pequena agroindústria”, conta Iraci Rodrigues Zanchet. Aos 60 anos, com apoio do filho e dos técnicos, a assentada passou a apostar nos alimentos sem agrotóxicos e pães de fermentação natural, entregues à merenda e também vendidos em grupos por aplicativo de celular.
E assim a família personifica todas as transformações do meio rural, também adaptáveis aos novos tempos, porém, nas palavras de Iraci, “com ar puro e um lindo pôr do sol que nas tardes de qualquer estação nos faz sentir a brisa da vida leve e harmoniosa do campo”.