A cada Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) orientado, a professora Lázara Batista dos Santos Souza, atualmente mestre pela Universidade Estadual de Goiás (UEG), unidade de Jataí, onde também se graduou em Tecnologia de Alimentos, lembra-se da trajetória que a levou onde está.
Moradora do assentamento Rio Claro, distante 50 quilômetros de Jataí, no sudoeste goiano, sempre teve o estudo como obstinação para vencer as dificuldades de quem não tem chão nem teto. Enquanto o acesso a terra não se concretizava para ela, lá nos idos dos anos 90, trabalhava lavando, passando e dobrando roupa para quem vinha trabalhar na lavoura. Quando ia levar a filha menor na escola, aproveitava para assistir às aulas do ensino fundamental. Só foi alfabetizada aos 10 anos.
Acesso a terra
O aguardado nome na relação de beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) veio há 17 anos. E, segundo Lázara, as coisas só melhoraram. Entre os progressos, estão o ingresso na graduação e a implantação de um projeto de apicultura com abelhas Europa em parcelas do assentamento – apoiado pelo programa das nações unidas para o desenvolvimento (PNUD) e em parceria com a ueg. O mel colhido foi vendido in natura e também comercializado na cidade e em feiras da região e em Goiânia como cosmético com extratos medicinais.
“Ser assentada mudou tudo. Foi a partir daí que eu comecei a entender a dinâmica da política pública da reforma agrária. Entrar na terra não bastava. Foi necessário se organizar, participar de diálogos com movimentos sociais. Não fosse isso, estaria lavando roupa até hoje, que foi o que minha mãe havia me ensinado”, reflete.
Os filhos de Lázara também estudaram (uma filha fez Pedagogia, a outra fez Tecnologia em Logística e um filho estuda Tecnologia em Alimentos pela UEG). E ela, aos 53 anos, já pensa no Doutorado, após uma graduação e duas pós-graduações – sendo uma em Gestão de Qualidade de Alimentos pelo SENAC e a outra em Agroecologia. Esta última realizada numa parceria entre o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) do Incra e a Universidade Federal de Goiás (UFG).
Mais exemplos
Outra assentada que aproveitou os cursos do Pronera foi Josélia da Silva Alves. Juntamente com Lázara, ela fez a Especialização Residência Agrária em Agroecologia – uma parceria entre o Incra e a Universidade Federal de Goiás. “Foi fantástica a experiência. Até o tema agroecologia foi novidade total, foi aqui na universidade que descobri o que é e como aplicar na prática as técnicas agroecológicas”, diz Josélia, residente no assentamento São Vicente, em Flores de Goiás (GO), distante 500 quilômetros de Goiânia.
Outro exemplo de que o alcance a terra é um facilitador para o acesso à educação é o caso da agora engenheira Civil Ana Carolina Félix. Na infância viveu em acampamentos no município da cidade de Goiás até a família ser assentada no assentamento Dom Tomás Balduíno. Com um lugar pra viver e dele se sustentar, os pais da estudante puderam mantê-la na escola e em 2013 ela foi aprovada, estudando em uma escola estadual da cidade, em dois vestibulares de universidades federais: Engenharia Civil, na Federal de Catalão (GO), e Agronomia, na Federal de Alagoas (UFAL).
Decidiu fazer o primeiro curso e atualmente trabalha numa empresa de engenharia de Catalão e faz Pós-Graduação na área de Concessão de Rodovias e Vias Urbanas. “Essa é uma área com a qual mais me identifiquei desde a faculdade e é nela que ainda planejo atuar”, diz.